O Pós-tribulacionismo Examinado
O Pós-Tribulacionismo Examinado
1. Introdução
O pós-tribulacionismo é uma das principais posições evangélicas sobre o momento do Arrebatamento da igreja. Ensina que a igreja passará por toda a futura Tribulação, e que o Arrebatamento ocorre ao final desse período, essencialmente de forma simultânea com a Segunda Vinda visível e gloriosa de Cristo.
Este artigo irá (1) definir e resumir com justiça a doutrina pós-tribulacionista do Arrebatamento e, em seguida, (2) examinar suas dificuldades bíblicas e teológicas — especialmente as questões de quem povoará o reino milenar e como a vinda de Cristo pode ser iminente se sinais proféticos tiverem de ocorrer antes.
Ao longo do estudo, faremos distinção entre o Arrebatamento (o arrebatamento e transformação dos santos) e a Segunda Vinda (a descida de Cristo à terra em juízo e para estabelecer Seu reino), ainda que o pós-tribulacionismo normalmente una ambos em um único evento.
2. A Visão Pós‑Tribulacionista do Arrebatamento Definida
2.1 Tese Central
O pós‑tribulacionismo (frequentemente chamado de “premilenismo histórico” em sua forma moderna) sustenta que:
- A igreja passará por toda a futura Tribulação (a septuagésima semana de Daniel).
- O Arrebatamento e a Segunda Vinda são um único evento complexo no encerramento dessa Tribulação.
- Todos os santos de todas as eras são ressuscitados e transformados nesse momento (frequentemente apelando para Apocalipse 20:4–6).
- Os “eleitos” nas passagens da Tribulação (por exemplo, Mateus 24:31) são a igreja.
Nessa visão, a sequência é:
- A igreja atravessa a Tribulação.
- Cristo aparece em glória ao final.
- Os mortos em Cristo ressuscitam e os crentes vivos são arrebatados (Arrebatamento).
- Imediatamente, Cristo desce à terra com Seu povo e estabelece o reino milenar.
2.2 Principais Argumentos Apresentados
Os pós‑tribulacionistas usualmente recorrem a várias linhas de argumentação:
-
Unidade do povo de Deus.
Argumentam que há um único povo de Deus abrangente — “os eleitos” — de modo que os eleitos na Tribulação (por exemplo, Mateus 24:22, 31) devem ser a igreja. -
2 Tessalonicenses 2 e sinais antes da “vinda”.
Paulo fala da apostasia e da revelação do “homem do pecado” antes do Dia do Senhor (2 Tessalonicenses 2:1–4), o que, na leitura pós‑tribulacionista, implica que a igreja verá o Anticristo e, portanto, deve estar na Tribulação. -
“Encontrar” o Senhor nos ares (1 Tessalonicenses 4:17).
O termo grego apantēsis (“ir ao encontro”) é às vezes apresentado como implicando sair ao encontro de um dignitário e então escoltá‑lo de volta à cidade — assim, os santos encontrariam Cristo nos ares e retornariam imediatamente à terra com Ele. -
A “última trombeta”.
A trombeta de 1 Coríntios 15:52 e 1 Tessalonicenses 4:16 é algumas vezes ligada à trombeta pós‑tribulacionista de Mateus 24:31 ou à sétima trombeta de Apocalipse 11:15, sugerindo um único evento no fim da Tribulação. -
Argumento histórico.
Alguns afirmam que a maioria dos escritores cristãos antigos não ensinava um Arrebatamento pré‑tribulacional, e que, portanto, a visão “histórica” deve ser a pós‑tribulacionista.
O pós‑tribulacionismo acerta ao insistir que os crentes devem esperar sofrimento e tribulação nesta era presente (João 16:33; Atos 14:22). Mas a questão crucial é se a igreja foi designada para a específica “ira” escatológica e os juízos do futuro Dia do Senhor, e se a Escritura realmente funde o Arrebatamento e a Segunda Vinda em um único evento indistinto.
3. Distinções Bíblicas Entre o Arrebatamento e a Segunda Vinda
Uma questão-chave na avaliação do pós‑tribulacionismo é se o Novo Testamento distingue o Arrebatamento da Segunda Vinda.
3.1 Características Contrastantes
Quando comparamos as passagens clássicas sobre o Arrebatamento (João 14:1–3; 1 Tessalonicenses 4:13–18; 1 Coríntios 15:51–52) com as passagens clássicas sobre a Segunda Vinda (Mateus 24–25; Zacarias 14; Apocalipse 19:11–21), surgem contrastes notáveis:
| Aspecto | Passagens do Arrebatamento | Passagens da Segunda Vinda |
|---|---|---|
| Direção | Cristo vem nos ares, os crentes sobem ao encontro dEle (1Ts 4:17). | Cristo vem à terra, Seus pés se firmam no monte das Oliveiras (Zc 14:4). |
| Propósito | Receber Sua noiva e levá‑la à casa do Pai (Jo 14:3). | Julgar as nações e estabelecer Seu reino terreno (Mt 25:31–32; Ap 19:15). |
| Participantes | Envolve apenas os santos da igreja (“os mortos em Cristo… nós, os vivos,” 1Ts 4:16–17). | Envolve todas as nações, salvos e perdidos (Mt 25:31–46). |
| Juízo x Consolo | Ênfase em consolo e esperança (1Ts 4:18). | Ênfase em ira, destruição e separação (2Ts 1:7–10; Ap 19:15). |
| Transformação | Crentes são transformados e arrebatados (1Co 15:51–52; 1Ts 4:17). | Não há arrebatamento; crentes vivos herdam o reino em corpos naturais (Mt 25:34; Is 65:20–23). |
| Ausência de sinais | Apresentado como iminente, sem eventos proféticos prévios obrigatórios (1Ts 1:10; Tt 2:13). | Precedido por sinais claros e profetizados (Mt 24:15–30; 2Ts 2:3–4). |
Semelhança de vocabulário (por exemplo, parousia, “vinda”) não prova identidade de eventos; esses termos podem descrever diferentes fases do retorno de Cristo como um todo.
3.2 Implicações Exegéticas
Se o Arrebatamento e a Segunda Vinda são idênticos e ocorrem no fim da Tribulação — como o pós‑tribulacionismo afirma — diversas dificuldades surgem:
- A remoção e transformação dos crentes de 1 Tessalonicenses 4 precisam ser comprimidas no mesmo momento da descida de Cristo à terra em Apocalipse 19, onde ressurreição e Arrebatamento sequer são mencionados.
- A promessa de ida à casa do Pai (João 14:2–3) é na prática anulada: os crentes encontrariam Cristo nos ares apenas para fazer uma imediata volta à terra, sem experimentar aquilo que Ele descreveu como ir para estar “onde Eu estou”.
- O Arrebatamento perde seu caráter distinto de bem‑aventurada esperança e consolo, porque passa a ser necessariamente precedido pelos horrores sem paralelos do Dia do Senhor.
Em contraste, entender o Arrebatamento como um arrebatamento prévio da igreja, seguido mais tarde pela descida pública de Cristo à terra em juízo, permite harmonizar os dados do Novo Testamento sem achatar as etapas distintas de Seu retorno.
4. Quem Povoará o Milênio em um Esquema Pós‑Tribulacionista?
Um dos desafios teológicos mais sérios para o pós‑tribulacionismo é a questão de quem entra e povoará o reino milenar.
4.1 População Milenar nas Escrituras
Profecias do Antigo e do Novo Testamento indicam que:
- O Milênio começa com mortais na terra em corpos naturais, não glorificados, que:
- Constroem casas e plantam vinhas (Isaías 65:21–22).
- Geram filhos e criam famílias (Isaías 65:20–23).
- Ainda podem pecar, e alguns se rebelam no fim dos mil anos (Apocalipse 20:7–9).
Além disso:
- Na Segunda Vinda, Cristo realiza julgamentos que separam crentes de incrédulos tanto em meio a Israel quanto às nações gentílicas:
- O julgamento de Israel no deserto (Ezequiel 20:33–38).
- O julgamento das ovelhas e dos bodes dentre as nações (Mateus 25:31–46).
Em ambos os casos, os incrédulos são removidos em juízo, enquanto os crentes — ainda em corpos naturais — entram no reino.
4.2 O Dilema Pós‑Tribulacionista
Se, conforme afirma o pós‑tribulacionismo:
- Ao fim da Tribulação todos os crentes da igreja, vivos e mortos, são glorificados e arrebatados, e
- Todos os incrédulos são julgados e removidos antes do início do Milênio,
então surge uma questão crítica:
Quem permanece em corpos mortais para entrar e povoar o Milênio?
Num esquema estritamente pós‑tribulacionista, restaríamos com:
- Nenhum crente não glorificado (todos foram transformados, 1Co 15:51–52).
- Nenhum incrédulo (todos foram removidos em juízo: Mt 25:41–46; Ez 20:38).
No entanto, as profecias milenares exigem exatamente esse grupo: sobreviventes crentes em corpos naturais, que possam casar, ter filhos e dentre cuja descendência surgirá uma rebelião final ao término dos mil anos.
Diversas propostas pós‑tribulacionistas — como sugerir que os 144 mil judeus selados ou alguns gentios preservados entrem no Milênio como incrédulos e então se convertam — entram em choque com o ensino claro de que todos os não redimidos são expurgados antes do reino (por exemplo, “purificarei dentre vós os rebeldes”, Ez 20:38; “estes irão para o castigo eterno”, Mt 25:46).
Um Arrebatamento pré‑tribulacional, por outro lado, se encaixa nesse quadro de forma coerente:
- A igreja é removida e glorificada antes da Tribulação.
- Durante a Tribulação, multidões — tanto judeus quanto gentios — creem em Cristo e sobrevivem fisicamente.
- Esses santos da Tribulação, ainda em corpos naturais, são os que passam pelos julgamentos finais e entram no Milênio, formando a população inicial do reino terreno de Cristo.
5. Iminência e a Necessidade de Sinais no Pós‑Tribulacionismo
A Escritura apresenta repetidamente a vinda do Senhor para os Seus como algo que os crentes devem aguardar a qualquer momento:
- “E para aguardardes dos céus o seu Filho” (1Ts 1:10).
- “Enquanto aguardais a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1:7).
- “Perto está o Senhor” (Fp 4:5).
- “Aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tito 2:13).
- “O juiz está às portas” (Tg 5:9).
- “Sim, venho em breve” (Ap 22:20).
Essa doutrina da iminência não significa que Cristo deve vir “em breve” no sentido cronológico humano, mas que nenhum evento profético previamente anunciado precisa ocorrer antes que Ele possa vir buscar Sua igreja.
5.1 A Perda da Iminência no Pós‑Tribulacionismo
Por definição, o pós‑tribulacionismo nega a iminência:
- Antes que Cristo possa arrebatar Sua igreja, de acordo com essa visão, devem ocorrer:
- A apostasia e a revelação do homem da iniquidade (2Ts 2:3–4).
- A abominação da desolação no templo (Mt 24:15).
- A grande Tribulação com seus juízos sem precedentes (Mt 24:21; Ap 6–18).
- Os sinais cósmicos visíveis que imediatamente precedem Sua manifestação (Mt 24:29–30).
Dentro do pós‑tribulacionismo, os crentes não podem dizer com verdade “talvez hoje”, mas precisam dizer “não antes do fim da Tribulação”.
As repetidas exortações do Novo Testamento para vigiar, esperar e estar pronto para a vinda de Cristo a qualquer tempo são severamente enfraquecidas se essa vinda não puder ocorrer até depois que os eventos proféticos mais dramáticos da história já tenham se desenrolado.
5.2 Reinterpretando “Iminência” como Expectativa Geral
Alguns pós‑tribulacionistas tentam redefinir a iminência como uma atitude geral de expectativa — os crentes deveriam olhar para Cristo “em qualquer geração”, mas não necessariamente “a qualquer momento”. Contudo, a linguagem das passagens relevantes (“não sabeis em que dia vem o vosso Senhor”, Mt 24:42; “à hora em que não penseis, virá o Filho do Homem”, Mt 24:44) se ajusta muito melhor a uma vinda sem sinais prévios, sempre possível, e não a uma vinda rigidamente posicionada ao fim de um período de sete anos claramente delimitado e marcado por sinais globalmente reconhecíveis.
Mais uma vez, distinguir um Arrebatamento prévio da igreja da posterior Segunda Vinda, cheia de sinais, preserva tanto a esperança iminente dos crentes quanto a integridade do cronograma profético.
6. Considerações Exegéticas Adicionais
6.1 2 Tessalonicenses 2 Revisitado
Pós‑tribulacionistas frequentemente argumentam que 2 Tessalonicenses 2:1–4 ensina que o Arrebatamento não pode ocorrer antes da apostasia e da revelação do homem do pecado. Porém, uma leitura cuidadosa mostra que o propósito de Paulo não é fornecer uma lista de eventos que devem preceder o Arrebatamento, mas sim tranquilizar os tessalonicenses de que eles não haviam perdido o Dia do Senhor.
- Alguns haviam sido perturbados pelo falso ensino de que “o dia do Senhor já chegou” (2Ts 2:2).
- Paulo responde explicando que o Dia do Senhor será caracterizado por desenvolvimentos altamente visíveis — a apostasia e o homem do pecado — que ainda não tinham ocorrido.
- Logo, eles não estavam no Dia do Senhor e, uma vez que ainda estavam na terra, não haviam sido arrebatados previamente a ele.
Em outras palavras, a ausência desses fenômenos provava que o Dia do Senhor não havia chegado, não que o Arrebatamento devesse necessariamente aguardar tais sinais.
6.2 O “Encontrar” (Apantēsis) em 1 Tessalonicenses 4:17
Pós‑tribulacionistas afirmam que apantēsis implica que os crentes encontram Cristo nos ares apenas para então retornar imediatamente à terra escoltando‑O. Entretanto:
- O termo grego apantēsis não exige, em si mesmo, um retorno imediato ao ponto de origem; ele simplesmente descreve um encontro (cf. Atos 28:15; João 4:51).
- Em João 14:3, Cristo promete: “vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também”, com clara referência à casa do Pai no céu.
- O texto de 1 Tessalonicenses 4 enfatiza o propósito de “estarmos para sempre com o Senhor” — e não os detalhes operacionais de uma descida imediata.
Insistir que a palavra apantēsis comprime todo o evento em um único movimento de “sobe‑e‑desce” ignora tanto a flexibilidade lexical quanto o ensino mais amplo do contexto bíblico.
7. Conclusão
O desejo do pós‑tribulacionismo de levar a sério a realidade da tribulação e perseguição para os crentes é digno de nota; a Escritura não promete à igreja isenção de sofrimento nesta era. Contudo, quando o pós‑tribulacionismo é testado à luz do conjunto completo de dados bíblicos sobre o Arrebatamento, o Dia do Senhor e a Segunda Vinda, surgem dificuldades significativas:
- Ele luta para explicar quem povoará o reino milenar em corpos naturais se todos os crentes forem glorificados e todos os incrédulos forem removidos ao fim da Tribulação.
- Necessariamente abandona a iminência da vinda de Cristo para Sua igreja, substituindo uma verdadeira esperança “a qualquer momento” por uma expectativa distante, pós‑sinais.
- Tende a achatar distinções bíblicas claras entre o Arrebatamento e a Segunda Vinda, forçando passagens diversas a caberem em um único molde interpretativo.
- Frequentemente obscurece a distinção teológica entre Israel e a igreja, fazendo com que toda linguagem sobre “eleitos” se refira à mesma entidade corporativa, colocando assim a igreja em profecias cujo foco principal é a purificação e restauração finais de Israel.
Uma leitura cuidadosa e literal das Escrituras aponta para um quadro diferente: Cristo primeiro arrebatará Sua igreja para encontrá‑Lo nos ares e levá‑la à casa do Pai, livrando‑a assim da ira escatológica vindoura. Após os juízos da Tribulação e a conversão de Israel e de muitos gentios, Ele então retornará em glória visível à terra com Seus santos para julgar as nações e estabelecer Seu reino milenar.
Sob essa perspectiva, o Arrebatamento permanece uma bem‑aventurada esperança (Tito 2:13) — uma expectativa iminente e purificadora que pode, com toda propriedade, moldar a esperança, a adoração e a perseverança da igreja na presente era.
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